Ars Gratia Artis

Me perguntaram – e não apenas uma vez – o porquê de escrever poemas. Nunca soube a resposta, talvez nunca saberei. Mas nestes dias de longas viagens minha mente faz suas digressões autônomas e esta pergunta tem sido tema recorrente.

Acho que, em primeira instância, escrevemos porque existimos e a existência deve ser suficiente motivo para justificar a “Ars Poetica”.

Talvez escrevamos porque estamos cansados do sistema. Porque, embora ainda não o tenhamos visto completamente, já vimos mais do que desejaríamos ter visto.

Talvez os labirintos do léxico sejam um emaranhado canal onde a voz da alma, ainda que deturpada pela palavra, pode se fazer ouvir.

Ou, quem sabe, escrevamos porque podemos e ponto! Porque não abrimos mão do direito de usar a linguagem – e, muito especialmente, não abrimos mão do direito de usá-la como bem entendermos.

Talvez escrevamos para nos diferenciar – odiamos a idéia da igualdade. Ou, vá saber!? Talvez escrevamos para nos nivelar, para que possamos todos ser iguais.

Talvez não seja nada disto, e escrevemos apenas porque existem linhas e alguém tem de preenche-las com tinta.

Ou ainda, talvez, escrevamos porque não sabemos pintar, nossa voz é esganiçada e somos péssimos com esculturas.

No fim assumo não conhecer a resposta. Mas tenho uma teoria: Talvez – e nisto acredito – seja exatamente este “não saber” que torne nossas linhas interessantes. Arte pela arte, senhores, e ponto!

____

=Dom, nalgum lugar nas nuvens entre Minas e Catarina, a santa.

“Escrevo poemas porque os poemas passaram muito de seus anos me escrevendo, talvez tenha chegado a hora de retribuir a gentileza”…

Fome

A tristeza é a fome
O vazio da barriga que pulsa
É o peito que alma não come
O silêncio que a boca não busca

A tristeza é a avareza
Duma mesa não posta na ceia
A dureza da louça que anseia
A comida que o riso não serve

A tristeza é o prato vazio
De desejo sentido e vontade
É o sabor do que nunca se viu
É da vida presente, a saudade

É um verme que roi em lamento
A ferida duma alma que clama
É a criança que chora ao relento
Tempestade que o tempo derrama…

=Dom

Tríade “Balanço”

Você percebe ter perdido a infância quando te convidam para analisar o balanço e não há cordas ou um parque envolvidos no processo…

Se já não gostava de ir ao balanço quando era levado por minha mãe, imagine agora que é uma contadora que me puxa pelas mangas da camisa…

Nunca fui uma criança “muito normal”!

=Dom

Abracadabra

Alfredo Casimiro me contava que o mundo era como um número de mágicas. Dizia que havia os ilusionistas e havia a platéia e que – como numa dança – as vezes os papéis eram permutados:

– Hora a platéia assume o palco, meu bom amigo, hora é o palco que assume a platéia…

Como eu não conseguisse compreender a extensão de seu pensamento, Alfredo me narrou um causo para ilustrar:

– Há tempos morei pelo Sul e lá ocorreu uma passagem que me explica bem o pensamento: pois veja que havia uma tal Fulana que não se casou de branco. Era a própria encarnação da pureza, a bendita, mas o branco não lhe descia bem. Escolhera casar de vermelho. Taxaram-na: “vulgar”, “messalina”, “prostituta”. Por fim as maledicências acabaram por lhe expulsar do convívio social – uma indignidade!

– Sicrana, outra paroquiana do mesmo bispado, casou-se de branco. Era moça tão “gentil” que “alegrara a cama” de meio mundo de rapazes… Mas como lhe vestia bem o branco! Parecia um anjo de candura!
Como lembrasse a santa, a convidaram para dirigir o grupo de noivas da igreja.

– Vá entender, meu amigo, como fosse obra de prestidigitadores tudo o que ambas foram na vida desapareceu aos olhos da platéia. O “respeitável público” se atentou somente a cor dos vestidos de casamento. Foi com base nas cores que construíram o julgamento, a sentença e sua execução…

(…)

Ouvi Alfredo com atenção e tive de dar razão a suas idéias. O mundo é mesmo um espetáculo de mágicas. E preciso acrescentar: um espetáculo com uma enorme, desatenta, e precipitada platéia…

=Dom

_____
Micro conto de “sala-de-espera”