Abracadabra

Alfredo Casimiro me contava que o mundo era como um número de mágicas. Dizia que havia os ilusionistas e havia a platéia e que – como numa dança – as vezes os papéis eram permutados:

– Hora a platéia assume o palco, meu bom amigo, hora é o palco que assume a platéia…

Como eu não conseguisse compreender a extensão de seu pensamento, Alfredo me narrou um causo para ilustrar:

– Há tempos morei pelo Sul e lá ocorreu uma passagem que me explica bem o pensamento: pois veja que havia uma tal Fulana que não se casou de branco. Era a própria encarnação da pureza, a bendita, mas o branco não lhe descia bem. Escolhera casar de vermelho. Taxaram-na: “vulgar”, “messalina”, “prostituta”. Por fim as maledicências acabaram por lhe expulsar do convívio social – uma indignidade!

– Sicrana, outra paroquiana do mesmo bispado, casou-se de branco. Era moça tão “gentil” que “alegrara a cama” de meio mundo de rapazes… Mas como lhe vestia bem o branco! Parecia um anjo de candura!
Como lembrasse a santa, a convidaram para dirigir o grupo de noivas da igreja.

– Vá entender, meu amigo, como fosse obra de prestidigitadores tudo o que ambas foram na vida desapareceu aos olhos da platéia. O “respeitável público” se atentou somente a cor dos vestidos de casamento. Foi com base nas cores que construíram o julgamento, a sentença e sua execução…

(…)

Ouvi Alfredo com atenção e tive de dar razão a suas idéias. O mundo é mesmo um espetáculo de mágicas. E preciso acrescentar: um espetáculo com uma enorme, desatenta, e precipitada platéia…

=Dom

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Micro conto de “sala-de-espera”

Estudos Curitibanos

O trem apita na Ferrovia, quase não o consigo ouvir do meu quarto de hotel. Abro a janela para que apite mais alto. Deixo soar seu apito, deixo entrar sua insistência estridente e o vento se enfia pela fresta descoberta. Faz frio em Curitiba e o velho céu continua acinzentado.

Já cumpri com meus compromissos e agora nada resta a não ser rememorar os dias passados.

– A noite é uma criança, me diz um luminoso piscante.
– Já cresci há eras, me lembra o relógio intransigente.

Não estou em casa, não há praias por aqui. Mas há poemas, e escritores, e amigos e cafés…
Curitiba é também minha terra. Não fossem as saudades daqueles olhos de planetas, quem sabe estaria em casa agora…

(…)

Esses pinheiros centenários, essa neblina branca e densa. Penso em quanto conhece estas madeira, quanto já viram da história desta nação submissa e estranha.

É hora – de novo este relógio insistente – fecho a janela para que não entre mais o vento.
A esta altura já não há mais apito e tudo em que consigo pensar é na sabedoria estóica daqueles pinheiros centenários.

=Dom