Estudos Curitibanos

O trem apita na Ferrovia, quase não o consigo ouvir do meu quarto de hotel. Abro a janela para que apite mais alto. Deixo soar seu apito, deixo entrar sua insistência estridente e o vento se enfia pela fresta descoberta. Faz frio em Curitiba e o velho céu continua acinzentado.

Já cumpri com meus compromissos e agora nada resta a não ser rememorar os dias passados.

– A noite é uma criança, me diz um luminoso piscante.
– Já cresci há eras, me lembra o relógio intransigente.

Não estou em casa, não há praias por aqui. Mas há poemas, e escritores, e amigos e cafés…
Curitiba é também minha terra. Não fossem as saudades daqueles olhos de planetas, quem sabe estaria em casa agora…

(…)

Esses pinheiros centenários, essa neblina branca e densa. Penso em quanto conhece estas madeira, quanto já viram da história desta nação submissa e estranha.

É hora – de novo este relógio insistente – fecho a janela para que não entre mais o vento.
A esta altura já não há mais apito e tudo em que consigo pensar é na sabedoria estóica daqueles pinheiros centenários.

=Dom

Vassalos do Tempo

Quisera o amanhã chegar-se no hoje
Para na fenda do tempo encontrar no espaço
Teus olhos perdido no nada que fui

O tempo, senhora, é de si mesmo carrasco
E o espaço, uma mera substância da poética
metafórica da vida essencial

Nós, os vassalos das coordenadas,
remimos no espaço o tempo que nos domina
– somos do tempo escravos –
E no espaço, timidamente, exprimimos nossa
Performance do Mouro de Veneza,
ou da Bahia, ou da cidade que nos melhor convir

O espaço, criança, é o palco de nossos dias
e o tempo faz às vezes do gordo birrento
que decide quando é hora das cortinas se fecharem,
das luzes se apagarem e da platéia seguir-se
aos aplausos esparsos e de pouco entusiasmo…

=Dom

Palavra Crua

Poesia é palavra nua vestida em gala
É palavra crua em pêlo, pele e cetim
É sexo sagrado entre artista e linguagem
É sentido escroto estampado em marfim

Poesia é rota de sentimentos
Impressa no léxico a ferro e facão
É o louco voar que se guia nos ventos
É o fogo e a água em um só turbilhão

É a criança que morre e nem chega a nascer
Fotografia do olhar atento de um cego
É o berço indigente do rico que nasce

A pobreza abastada do pobre que sonha
É a arte na veia do triste que escreve
É a morte na vida é o sangue em canção

=Dom

Etimologia da selva

De como um velho perdeu um porto e
um porto ganhou um velho para chamar de seu…

Um taxista me contou, e os taxistas sempre sabem das coisas, que o nome desta cidade nasceu da supressão dum adjunto adnominal restritivo de posse.

Dizia que, antes de Porto Velho ser conhecida, havia um rio, um velho e um porto. O caso é que o velho morava solitário próximo ao porto, e sempre que os viajantes desejavam atracar por estas bandas, usavam a expressão: “- vamos ao porto do velho”. A medida que as barbas do velho cresciam a expressão se propagava entre os barqueiros, e por fim, quando o velho jazia sem barbas e sem espírito a expressão se eternizou.

Como no norte, semelhantemente ao nordeste, há um enorme senso de urgência no falar, tudo precisa ser comunicado com o menor emprego possível de palavras. E, por respeito as leis da eficiência, foi-se cortando tudo o que não era essencial – cortou-se o “do”. O velho, que “in memoriam”, já não se importava em ser lembrado, deixou de existir também na expressão, perdeu seu porto e o porto, que de velho não tinha nada, ganhou um “velho” para chamar de seu.

Depois de toda esta confusão, quem agora ostenta as barbas brancas é o Porto, que já não é mais porto, mas cidade. Do velho ninguém mais lembra. O rio segue seu curso caudaloso e o “do” que foi suprimido, ficou na história, afinal, quem mesmo precisa de um adjunto adnominal restritivo de posse!?

=Dom