O jantar de meus trinta anos

No jantar de meus trinta anos
Comi com assombro a tristeza
Que me serviste num prato

Sorvi cada gota de tua incerteza
E limpei minha boca nas mangas
Duma razão rota e desafetada

No jantar de meus trinta anos
Não tive fome
Não tive sede
Nem tive nada

Comi, bebi, chorei
E depois fui dormir
perguntando de que valeram
os muitos versos que compus

Nos meus trinta anos jantei sozinho
E não havia ninguém para lavar os garfos
ou raspar a gordura das panelas

Nos meus trinta anos jantei sozinho
E nem todos os galos do mundo
Me fariam acreditar no amanhecer

No jantar de meus trinta anos
Havia os poemas e era tudo o que havia
(…)
Era tudo o que havia
No jantar de meus trinta anos

 

=Dom
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3h55, Ribeirão Preto, no jantar de meus 30 anos

 

Poema às avessas

Controverso, o escritor, contra o verso escrevia

– Poucos entendem o que dizes, gritavam…
– Poucos compreendem a arte, se ria…

E assim, contra o fluxo letárgico dos homens,
contra a barbárie da incoerência,
tecia no tear de Láquesis o destino que o consumia.

– Poucos querem tua arte, gritavam…
– Poucos podem ter arte, se ria…

Contra o verso, o escritor, controverso vivia
e no tear de Átropos seu destino escorria.

– Poucos lêem teus textos, gritavam…
– Nunca escrevi para todos, se ria…

=Dom

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Um estudo cômico dedicado aos contemporâneos
colegas de arte e sua imensa anti-platéia.

 

Fôlego

Deixe que o tempo passe, menina.
O tempo é uma régua de dias.
Como são poucos seus dias, menina.
O tempo é maior que você.

Não olhe o mundo de cima, menina,
Que o mundo é um juiz que não dorme.
O mundo é o carrasco da vida, menina.
O mundo é maior que você.

Mas quem é mesmo você, menina!?
Um broto, um canto, um copo, um tear?

Quem é mesmo você, menina?
Ontem nasceu e hoje é o sol.
Mas amanhã, menina,
Amanhã será o esquecimento.

=Dom
(Poema para se ler nas nuvens, #1507)