O jantar de meus trinta anos

No jantar de meus trinta anos
Comi com assombro a tristeza
Que me serviste num prato

Sorvi cada gota de tua incerteza
E limpei minha boca nas mangas
Duma razão rota e desafetada

No jantar de meus trinta anos
Não tive fome
Não tive sede
Nem tive nada

Comi, bebi, chorei
E depois fui dormir
perguntando de que valeram
os muitos versos que compus

Nos meus trinta anos jantei sozinho
E não havia ninguém para lavar os garfos
ou raspar a gordura das panelas

Nos meus trinta anos jantei sozinho
E nem todos os galos do mundo
Me fariam acreditar no amanhecer

No jantar de meus trinta anos
Havia os poemas e era tudo o que havia
(…)
Era tudo o que havia
No jantar de meus trinta anos

 

=Dom
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3h55, Ribeirão Preto, no jantar de meus 30 anos

 

Casa enlutada

insonia

A casa se fez silente
tão logo teu canto cessou

Em respeito à tua lembrança
trajaram-se de negro a mesinha,
o sofá e a estante dos livros

Em respeito à tua lembrança
não declamei poesia nem desejei existir,
vesti-me de preto à combinar com o resto da mobília

Em respeito à tua lembrança
afoguei na piscina o gato
e fiz um tapete do cão Labrador

Fiz um buraco no canto da sala;
Enterrei os restos do frango do almoço;
Quis ser os restos do frango do almoço;
Quis ser o buraco no canto da sala;

Quis ser o gato rijo afogado;
Quis ser o cão feito em tapete;
Quis ser a casa de negro vestida;
Quis ser a morte da tua canção…

Em respeito à tua lembrança
ficamos sós, eu, a triste casa enlutada
e tua incomparável ausência.

=Dom